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Projetos de passe livre entram em debate

Projetos de passe livre entram em debate

Já pensou em pegar um ônibus sem pagar pela tarifa? É exatamente isso que dois projetos propõem que seja implantado em Salvador.

Um deles, apresentado no início de março passado pela vereadora Aladilce Souza (PCdoB) e assinado por outros 14 integrantes da Câmara Municipal, ainda depende de parecer da Comissão de Constituição e Justiça para seguir em tramitação.

O outro projeto, elaborado pelo Movimento Passe Livre Salvador (MPL), será discutido em bairros da periferia com estudantes e sindicatos, com o objetivo de pressionar o poder público, segundo o grupo.

Tratado como pauta irrealizável ao longo de anos, o passe livre já foi implantado no sistema de ônibus de Florianópolis (SC), Goiânia (GO) e São Paulo (SP).

Principal autor da proposta do MPL Salvador, Walter Takemoto, ex-diretor da Companhia Municipal de Transporte Coletivo de São Paulo (CMTC-SP), aponta que as experiências brasileiras utilizam dinheiro de outras áreas - como saúde e educação - para custear a gratuidade, o que ele é contra.

Por isso, o projeto do movimento estabelece como financiador do passe livre impostos recolhidos dos usuários de transporte privado.

Como pagar

Entre as fontes de custeio fixadas estão 100% do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) arrecadado no município, 100% das multas de trânsito do município, 100% dos valores arrecadados com estacionamentos públicos (Zona Azul), 100% dos ISS pago pelas administradoras de estacionamentos e a transferência, pelo governo federal, de 100% do Cide (imposto sobre comercialização de combustíveis).

"Definimos como fontes de financiamento recursos provenientes do uso do espaço público pelo carro, porque quem deve bancar o transporte público é quem utiliza o transporte privado e os empresários, que lucram com a locomoção das pessoas para o trabalho ou para o comércio", argumenta o ativista. Para ele, falta "vontade política" para a aprovação da proposta.

O secretário de Urbanismo de Salvador, Fábio Mota, por sua vez, acredita que "falar em passe livre na configuração atual, com a arrecadação de hoje, é utopia". Ele defende que o governo federal faça desonerações na folha de pagamento para incentivar a gratuidade.

"Não sou contra o passe livre, mas atualmente o município não tem condições de arcar com esse custo", afirma Mota. Segundo o secretário, a estimativa da prefeitura é que a aprovação desse projeto custaria entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão aos cofres da cidade.

Em São Paulo, porém, a instituição da gratuidade para alunos de escolas públicas, de colégios privados com renda per capita de um salário mínimo e meio, além de bolsistas de programas como Prouni, Fies e outros, custará R$ 200 milhões, caso a adesão seja total.

Decisão política

Segundo o titular da Secretaria Municipal de Transportes (SMT) de São Paulo, Jilmar Tatto, o valor foi retirado do orçamento da prefeitura. O subsídio, que antes consumia R$ 1,7 bilhão do município, aumentará para R$ 1,9 bilhão, conforme cálculos do secretário. "Foi basicamente uma decisão política", afirmou Tatto em conversa por telefone com a equipe de A TARDE.

"Do ponto de vista da educação, o prefeito (Fernando Haddad) defende uma educação pública, gratuita e universal. E o transporte faz parte disso, porque o estudante não tem renda para pagá-lo", disse Tatto.

O secretário acredita que a gratuidade "é uma tendência". Assim como Takemoto, ele afirma que só novas fontes de financiamento podem manter o que chama de "política de distribuição de renda na mobilidade".

Procurado para comentar o assunto, o Setps (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiro de Salvador) limitou-se a dizer, em nota, que "as empresas de transporte são concessionárias do serviço" e "a política tarifária compete ao poder concedente (prefeitura)".

Jilmar Tatto, Walter Takemoto e Aladilce Souza concordam que a discussão em torno das propostas já deixou de ser "contra e a favor" e, agora, tem como principal entrave a definição das fontes de financiamento para o passe livre. "O importante é gerar uma discussão em torno do tema", diz Aladilce.
Controle social via conselho é defendido por especialista

O arquiteto, urbanista e doutor em engenharia de transporte Juan Pedro Moreno Delgado, professor da Faculdade de Arquitetura da Ufba, explica que a instituição do Fundo Municipal de Mobilidade e Transporte e do Conselho Municipal de Transporte faz parte do projeto de passe livre.

Delgado afirma que esses mecanismos é que tornam viável a proposta. “A função do conselho é definir a política tarifária que o fundo, composto por várias fontes de financiamento, irá custear”, detalha o especialista.

O militante do MPL Walter Takemoto tem opinião igual à de Moreno Delgado. Não à toa que o projeto elaborado pelo movimento também prevê a criação desses dois instrumentos.

Regulação

Além disso, a proposta do MPL dá prazo de três anos para que a prefeitura crie uma empresa municipal responsável por regular e estabelecer parâmetros de qualidade para o sistema.

“Essas ferramentas são partes fundamentais da implementação do passe livre e da garantia da qualidade do serviço. É a sociedade, a população, que tem que controlar o uso dos recursos e a política pública de transporte”, afirma Takemoto.

Consultado pela equipe de reportagem, o secretário de Mobilidade de Salvador, Fábio Mota, afirmou que o conselho já existe, com poder consultivo, mas está esvaziado.

“Já fizemos quatro ou cinco reuniões, mas não dá quórum”, informou Mota.

“É preciso reformular o conselho, porque ele tem composição antiga e muitas entidades já deixaram de existir”, relatou.

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