Salvador amanheceu nesta quinta-feira (13) com apenas três mil doses de CoronaVac, fabricada pela Sinovac/Instituto Butantan, em estoque. Um novo lote com 128 mil doses da vacina chegou nesta sexta-feira (14) à Bahia. O problema é que, até domingo (16), 63 mil pessoas na capital precisam tomar a segunda injeção desse imunizante, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Para dar conta das pessoas que precisam da segunda dose, quase 50% das ampolas que chegarão à Bahia teriam de ficar em Salvador. Porém, de acordo com a proporção e estimativa populacional da cidade, que é de 20% em relação ao total de habitantes da Bahia, a previsão é que cerca de 25 mil doses fiquem na capital, quantidade insuficiente para atender todo mundo que precisa fechar o esquema vacinal. Mesmo com o novo lote, pelo menos 37 mil pessoas ficariam com a vacinação atrasada. Ao todo, até o final de maio, 66.950 pessoas estão na fila para tomar a segunda dose da CoronaVac.
Além disso, para piorar o cenário, o Instituto Butantan, em São Paulo, informou, na manhã desta quinta-feira (13), que suspenderá a produção de CoronaVac a partir desta sexta (14) por falta de ingredientes. O centro de pesquisa aguarda o recebimento de 10 mil litros de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) enviados pela China para retomar a produção.
Em nota, o Butantan informou que “aguarda autorização do governo chinês para a liberação de mais matéria-prima necessária para a produção da vacina”, mas que “não há qualquer entrave relativo à disponibilização de IFA ao Butantan por parte da biofarmacêutica Sinovac”. O último IFA recebido da China chegou ao Brasil em 19 de abril e já foi todo processado.
O instituto disse ainda que “questões diplomáticas” entre o Brasil e o país asiático podem ser a causa da interferência no cronograma de liberação de novos lotes de insumos. Assim que o IFA chegar, a produção será retomada, diz o Butantan. A última entrega que a entidade fará ao Programa Nacional de Imunização (PNI) será a desta sexta-feira, 15, com 1,1 milhão de doses – 800 mil a menos do que o previsto. Ao todo, o Butantan entregou mais de 46 milhões de ampolas do Ministério da Saúde.
O titular da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Fábio Vilas-Boas, demonstra preocupação com a paralisação da produção de CoronaVac. "É muito preocupante o anúncio de mais um atraso na remessa das vacinas do Butantan. Teremos que adotar um plano de contingência emergencial para garantir as segundas-doses de quem fez uso da CoronaVac", afirmou Vilas-Boas pelo Twitter.
Uma das medidas anunciadas pelo secretário é a de voltar a reter 50% do lote que vem do Ministério da Saúde, para não correr o risco de atrasar a vacinação dos baianos. A Sesab fazia isso até o governo federal orientar que todas as doses deveriam ser aplicadas como primeira dose, sem reservar metade. Em março, a pasta mudou de entendimento a fim de acelerar a imunização. Contudo, o Instituto Butantan não conseguiu cumprir com o calendário previsto.
Baianos com doses atrasadas
Uma das pessoas que está com a segunda dose atrasada é a aposentada Djanira Barreto, 61. Ela tomou a primeira no dia 11 de abril, no 5º Centro de Saúde Clementino Fraga, e deveria ter tomado a segunda no último domingo (09), quando não houve vacinação por conta do Dia das Mães. Além de idosa, é hipertensa, portanto, pertence ao grupo de risco.
“Estou aqui injuriada porque o processo não está completo. Não adianta tomar a primeira dose sem tomar a segunda, você não fica protegido. Queria tomar logo para me livrar disso”, critica Djanira, moradora da Federação.
“Tentei o cadastro desde o início, quando disseram que ia poder agendar. Depois falaram que só podia quando chegasse a semana da data. Venho tentando desde então, só que começou a dizer que o agendamento está suspenso”, acrescenta a aposentada.
A SMS informou que abriu três mil vagas na quarta-feira (12), mas que foram preenchidas em poucos minutos. Enquanto isso, Djanira acessa o sistema diariamente, em horários diferentes, para ver se consegue marcar sua ida ao posto de saúde.
“Não estou saindo para lugar nenhum, só dentro de casa. A vida está parada porque não posso tomar a segunda dose, porque eles erraram no planejamento. Começaram a vacinar todo mundo com a primeira dose e esqueceram da população que precisava da segunda”, afirma.
O empresário Jorge Fortuna, 61, também com o esquema vacinal em atraso, tomou a primeira dose no dia 6 de abril e a segunda deveria ser no último sábado (08). “Fiquei alegre esperando minha hora chegar, e, quando chega a hora, não tem mais vacina. Estou aqui apreensivo, como que não fica? Minha esposa fica o tempo todo tentando marcar o horário, mas até agora nada”, conta
Ele já perdeu dois familiares para a covid-19, o irmão e o tio, e tem medo de se contaminar. “Estou dois anos preso dentro de casa, dois entes queridos já foram embora, minha irmã está com covid-19, com sintomas leves, e estou preocupado. Não estou pegando nem elevador, estou subindo e descendo escada, evitando o máximo de contato”, relata Fortuna.
Se atraso passar de 30 dias, deve-se repetir 1ª dose
O médico infectologista e coordenador da área de controle de infecção hospitalar do Hospital Aeroporto, Antônio Bandeira, explica que o ideal é que não haja atrasos na vacinação.
“Quando a vacina é estudada, ela é programada para ver a resposta imunológica. O que se viu na CoronaVac é que uma dose não dá imunidade robusta, então precisa de uma segunda dose, visando um intervalo de duas a quatro semanas. Com quatro semanas é o momento ideal para se tomar a dose de reforço, para o organismo deter os antígenos e desenvolver uma resposta imune mais forte e garantir a eficácia da vacina”, esclarece.
Porém, até 14 dias depois, os efeitos não alterariam tanto a eficácia da vacina. Já após um mês de atraso, ou seja, com um intervalo de 60 dias entre a primeira e segunda doses, o recomendado é repetir o esquema vacinal, diz o médico.
“Quando você estende muito esse tempo, teoricamente, até um mês após o prazo que deveria ter dado a segunda dose, você tem uma possibilidade de funcionamento da segunda dose ainda ser eficaz. O ideal é em até 14 dias após o prazo, ou seja, em até 45 e 60 dias da primeira dose”, avalia. Ele reforça que tudo isso é possibilidade, baseado em outras vacinas, como a da gripe, e que não existem estudos concretos que a eficácia da CoronoVac seja mantida.
Após 30 dias de atraso, Bandeira diz que a imunidade da pessoa vacinada não sentiria muito o efeito. “O que pode acontecer é que a dose de reforço da primeira dose atue não como um reforço, mas como uma nova primeira dose. Por isso que sugiro e vejo como fundamental que se se atingir 30 dias de atraso, as pessoas repitam todo o esquema vacinal”, orienta.
O que dizem os órgãos federais
Sobre as questões diplomáticas que teriam provocado atraso na chegada da CoronaVac, o Ministério das Relações Exteriores alega que “Brasil e China dialogam e trabalham constantemente no enfrentamento da crise sanitária” e que o ministério “acompanha permanentemente o processo de autorização de exportação de IFAs”.
O Itamaraty pontua que “em diversas ocasiões”, as autoridades chinesas “comprometeram-se a fazer todo o possível para cooperar com o Brasil no combate à pandemia da covid-19" e “que eventuais atrasos não são intencionais, dado que a China está exportando IFAs para diversos países, o que gera expressiva demanda e sobrecarga tanto na fabricação de vacinas e ingredientes quanto nos trâmites burocráticos”, esclarece o ministério, por meio de nota.
Já o Ministério da Saúde disse que avalia o andamento da campanha da vacinação contra covid-19 no país junto com o apoio do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems),
A pasta ainda informou que, semanalmente, define recomendações, divulgadas nos informes técnicos, para orientar aos estados e municípios sobre o público-alvo em que as vacinas devem ser administradas, assim como os intervalos da primeira e segunda dose.
O MS comunicou também que foram distribuídas 82 milhões de doses e 48 milhões foram aplicadas em todo o Brasil. O órgão, contudo, não respondeu aos questionamentos do CORREIO. Segunda a área técnica, o prazo para demanda de informações é de 48h.
A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) não respondeu até o fechamento do texto.
Entregas de vacina do Butantan para o MS:
17/1 - 6 milhões
22/1 - 900 mil
29/1 - 1,8 milhão
5/2 - 1,1 milhão
23/2 - 1,2 milhão
24/2 - 900 mil
25/2 - 453 mil
26/2 - 600 mil
28/2 - 600 mil
3/3 - 900 mil
8/3 - 1,7 milhão
10/3 - 1,2 milhão
15/3 - 3,3 milhões
17/3 - 2 milhões
19/3 - 2 milhões
22/3 - 1 milhão
24/3 - 2,2 milhões
29/3 - 5 milhões
31/3 - 3,4 milhões
05/4 - 1 milhão
07/4 - 1 milhão
12/4 - 1,5 milhão
14/4 - 1 milhão
19/4 - 700 mil
22/4 - 180 mil
30/4 - 420 mil
06/5 – 1 milhão
10/5 - 2 milhões
12/5 – 1 milhão
14/5 - 1,1 milhão