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Estudantes da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) ocuparam o prédio da reitoria da instituição na noite desta terça-feira (10). A Administração Central da Uefs afirma que o prédio foi arrombado e invadido pelo movimento estudantil grevista, mas o comando da greve nega que tenha danificado qualquer estrutura do local. A situação acontece em meio a negociações para contratação de professores.

Em nota, a universidade acusou os estudantes de arrombar portas para entrar no local, além de afirmar que o ato configurou “claro e inquestionável rompimento com os compromissos assumidos” no termo assinado por ambas as partes para proteger os diálogos democráticos. A instituição também comentou que o ato vai contra o zelo pela integridade dos trabalhadores e do patrimônio público.

Em resposta, o comando da greve informou que não aconteceu invasão. “O que ocorreu foi a ocupação do prédio da reitoria pelos estudantes. As portas se encontram intactas e acessamos a reitoria através de uma das portas que possuía uma falha no trinco”.

Em vídeo publicado nas redes sociais, o professor Elson Moura relata que não houve depredação no momento do ato na reitoria e nem tensão entre os estudantes e os vigilantes da universidade.

Leia a íntegra da nota da Uefs:

Na noite desta terça-feira (10), a Administração Central da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) foi notificada por funcionários da vigilância que o prédio da Reitoria foi invadido pelo movimento estudantil grevista, que arrombou portas para adentrar o local.

A invasão do prédio se deu após nove horas de exaustivas negociações para a formulação de um termo de compromisso construído e assinado por ambas as partes que tinha como objetivo maior proteger os diálogos democráticos, dentro do que abraça a legalidade.

Porém, o arrombamento e invasão do referido espaço configura-se claro e inquestionável rompimento com os compromissos assumidos no referido termo, dentre os quais a mobilização pacífica e zelo pela integridade dos trabalhadores e do patrimônio público.

Mesmo após o movimento grevista ter sido deflagrado quando a pauta inicial, que pleiteava concursos e contratações de professores, tinha sido plenamente atendida por meio de negociações que antecederam a greve, a Administração Central seguiu, desde o fechamento do pórtico em 03/10/2023, escutando e acolhendo as demandas estudantis. Todo esse procedimento ocorreu respeitando os princípios democráticos e de respeito a todos os movimentos orgânicos e comuns às universidades.

Sem qualquer critério aparente o movimento estudantil retardou a entrega de uma pauta formalizada à gestão, agregando reivindicações fora da esfera de governabilidade da Administração Central da UEFS, dificultando o avanço das negociações para a regularização das atividades no campus.

Diante da violação, por parte dos estudantes, e da incontestável ruptura com o que se comprometeram as partes signatárias do referido termo de compromisso, a Administração Central conclama o movimento estudantil a desocupar e desobstruir todas as instalações da Universidade, sem prejuízo para a continuidade do diálogo em prol da defesa da UEFS autônoma e democrática.

Não temos dúvida que a UEFS será a Universidade que sua comunidade construir. Com afronta e desrespeito ao processo democrático e ao termo assinado, não há condições de negociação.

Preocupa à gestão que o endurecimento da negociação, por parte dos estudantes, possa impedir a contratação dos professores, comprometendo a pauta que deflagrou o movimento e o andamento das atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade para os próximos semestres.

Salientamos o protagonismo da UEFS nas negociações com o Governo do Estado sendo esta a universidade estadual baiana com o maior número de pleitos atendidos pela administração direta, totalizando quase R$13 milhões do orçamento total direcionado às universidades estaduais baianas de aproximadamente R$ 33 milhões.

Prejuízos e consequências

Pode-se citar, como exemplo dos prejuízos em decorrência da paralisação das atividades da Universidade, o impedimento de participação de 15 mil estudantes do Ensino Básico na Feira de Graduação, prevista para 16, 17 e 18/10, que foi cancelada, assim como a realização da 20a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, entre 16 e 20/10, no campus em Feira. Por total impossibilidade de cumprimento de prazos e trâmites, as viagens de campo do mês de outubro também foram canceladas.

Soma-se a isso, o ônus da instituição pelo impedimento do recebimento de materiais e equipamentos por fornecedores, a retenção dos processos, perda de prazos em processos judiciais e administrativos, bem como emissões de certidões e declarações, inclusive para estudantes, além de processos de aposentadorias e de concessão de benefícios a servidores técnicos e docentes. A paralisação compromete, inclusive, o andamento das atividades e encaminhamentos das comissões de concurso e REDA, sindicâncias e grande parte das atividades de estágio.

Relaciona-se também como comprometidos a análise dos recursos do Programa Mais Futuro, o andamento de processos de passagem para entidades estudantis e a possibilidade de atraso no pagamento das bolsas, por impossibilidade de trâmite dos processos dessa natureza entre os setores responsáveis em tempo hábil. Há também o comprometimento da homologação de editais e a retenção de processos de pagamento diversos, alguns incorrendo em multas de altos valores. Há perdas ainda na área administrativa-financeira, como atrasos nos lançamentos e pagamentos de encargos patronais, que se não forem cumpridos podem gerar multas, remessa de pagamento de bolsas, conferências e pagamentos de folha de pessoal e das rotinas de convocação de concursos e recebimento de materiais para o almoxarifado da Universidade.

Estão paralisadas as fiscalização de diversos contratos, a conservação e limpeza, suporte operacional e administrativo, manutenção predial, as manutenções dos equipamentos, tratamento, monitoramento e controle da água que abastece o campus universitário, manutenção dos veículos institucionais, transporte dos servidores, dentre outros serviços.

Todas as obras em andamento foram paralisadas, a exemplo da manutenção na rede elétrica do campus, bem como as obras do salão provisório e ampliação da cozinha do restaurante universitário e pavimentação das vias do campus.

Na primeira semana sem acesso ao campus universitário foi impedido o funcionamento das atividades do Centro de Educação Básica da UEFS (CEB-UEFS) e também da Creche UEFS, além do recebimento e armazenamento de alimentos e materiais perecíveis para garantir a alimentação das crianças. Cumpre destacar que o fechamento do CEB-UEFS, que é um convênio entre Universidade e o Município, compromete a aprendizagem das crianças que enfrentam um calendário municipal já comprometido, além das complicações para o cotidiano das famílias das mesmas.

Para citar outras atividades que fazem parte da prestação de serviços entre UEFS e sociedade, cita-se a paralisação das aulas no campus do programa Universidade Para Todos (UPT), as rotinas dos idosos e idosas da Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI), a realização da Feirinha de Saberes e Sabores e o funcionamento das cantinas, ressaltando que estas duas últimas são especialmente fruto das atividades de mulheres ligadas à agricultura familiar que tiram destas vendas o seu sustento.

São inumeráveis os prejuízos e, certamente, as consequências poderão reverberar sobre pleitos já conquistados. O grupo gestor da UEFS reforça a necessidade de desocupação do prédio da reitoria, local onde se concentram todas as atividades administrativo-financeiras, bem como a urgência na reabertura do pleno acesso à universidade, inclusive para que os pleitos estudantis e de todos os servidores da instituição sejam atendidos e cumpridos

Entenda a greve
A greve de estudantes, instaurada por meio de assembleia e votação que contabilizou 806 pareceres favoráveis e 700 contrários, tem como principal motivação a falta de professores em diversos cursos de graduação da Uefs. De acordo com levantamento obtido pelos alunos, há déficit de aproximadamente 200 professores na universidade estadual.

A situação se repete na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), onde é estimada a falta de mais de 200 professores, segundo a Associação de Docentes da Uneb (Aduneb). Em todo o estado, é projetado que o número seja ainda maior. O Fórum das Associações Docentes, que faz essa contagem, foi procurado pela reportagem, mas afirmou que ainda não tem o dado do levantamento por falta de resposta de algumas reitorias.

No curso de Psicologia da Uefs, o quadro mínimo de docentes está com baixa de 11 profissionais. Dessa forma, dos 33 professores necessários para ministrar disciplinas obrigatórias e optativas, o curso só conta com 22. Por conta dessa situação, a estudante Ingrid Moraes, 21, resolveu aderir à greve e detalhou como tem sido afetada.

“O curso de Psicologia é de cinco anos, mas provavelmente será maior porque estamos com muitas disciplinas obrigatórias e optativas que não estão sendo ofertadas pela falta dos professores. Além disso, não estamos tendo oportunidades de iniciações científicas e projetos em extensão devido à sobrecarga dos docentes. Tem sido bem complicado. [...] Isso impacta nosso tempo no curso, disponibilidade de disciplinas, de campos de estágio”, ressalta.

Na grade do primeiro semestre do curso de Química da Uefs, das cinco disciplinas obrigatórias, apenas duas foram ofertadas no segundo período de 2023 por falta de professores. Já no curso de Medicina, faltam 18 docentes para ministrar disciplinas consideradas indispensáveis para a graduação. O cenário não muda nem quando o olhar recai para outra área do conhecimento. No curso de Licenciatura em História, Raiane Ferreira, apresentada no início desta reportagem, também relata faltar disciplina básica do curso pelo déficit de profissionais contratados.

Diante do quadro geral, os estudantes que aderiram à greve pedem que o Governo do Estado convoque e contrate os professores que já foram aprovados em concursos no estado. Além dessa pauta, eles reivindicam a reformulação e reajuste do Mais Futuro, programa estadual de assistência estudantil, visando a permanência universitária, que dá ajuda de custo entre R$300 e R$600 aos estudantes universitários – valor considerado baixo em comparação com o custo de vida no estado.

Os estudantes ainda pedem que haja ampliação de recursos para a permanência estudantil e aumento do orçamento universitário de todas as universidades estaduais da Bahia com 1% e 7%, respectivamente, da receita líquida do estado.

Acampados no campus da universidade durante todos os dias e noites desde que foi deflagrada a greve, eles também solicitaram que a Reitoria assinasse um termo de não retaliação. Aqueles que aderiram à greve temiam que o pagamento de bolsas fosse suspenso, assim como energia, água e funcionamento do restaurante universitário, além do sofrimento de outras sanções. O pedido, feito no sábado, só foi acatado nesta terça-feira (10), após reunião entre os movimentos estudantis, estudantes grevistas e a Reitoria. A greve continua sem previsão de fim.

Publicado em Bahia