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Polícia só aponta culpados para 25% dos crimes violentos na Bahia

Polícia só aponta culpados para 25% dos crimes violentos na Bahia

A polícia baiana só conseguiu resolver um quarto dos crimes violentos letais intencionais (CVLI) que ocorreram na Bahia no ano passado. Isso significa que em 74,5% das situações, os agentes de segurança pública não foram capazes de apontar um provável autor. Ao todo, 1.137 inquéritos decifrados foram encaminhados para o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), a maior parte relativa a homicídios. Enquanto isso, 4.548 crimes violentos ficaram sem a indicação de suspeitos.

Ao longo de 2021, a Polícia Civil diz ter encaminhado 993 inquéritos de homicídios resolvidos. Esse número representa uma taxa de 23,5% de elucidação. Além desses, foram enviados para o MP outros 25 crimes de lesões corporais seguidas de morte e 45 de latrocínios elucidados. No caso desses dois tipos de crime, a polícia foi capaz de apontar possíveis culpados para metade dos casos.

A Polícia Civil afirma que a maior parte dos homicídios ocorridos no estado se deve ao envolvimento das vítimas com o tráfico de drogas. A ‘justificativa’ que liga avítimas a outros crimes colabora para que homicídios não sejam solucionados, segundo aponta Luiz Cláudio Lourenço, do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade, da Universidade Federal da Bahia (Lassos/Ufba).

“Quando as vítimas são facilmente colocadas no campo de suspeitos de envolvimentos no tráfico de drogas não ajuda a solucionar e atrapalha a investigação. Isso cria uma resposta genérica que não leva a nenhum autor”, explica.

Para o professor, a sociedade acabou se acostumando com essa resposta da polícia: “A opinião pública fica de alguma forma satisfeita porque não se vê a necessidade de solucionar homicídios se a vítima estiver envolvida com outros crimes”.

O pai da advogada Narriman Matos, 23, foi assassinado no bairro Cidade Nova, onde morava, em 2009. A polícia nunca indicou suspeitos para o crime, mas a família acredita que Marival Matos tenha sido morto porque era agente penitenciário. Narriman ficou sabendo do assassinato do pai por uma vizinha.

"Existem duas versões para o caso, a primeira que um homem que estava num carro chamou ele e atirou, e a segunda que diz que dois meninos chegaram atirando e depois correram. Só sabemos mesmo que foi proposital por conta da profissão dele", diz a filha.

Justificativas

Ameaças que testemunhas sofrem após presenciarem algum crime também são impeditivos para que a polícia realize um bom trabalho de investigação, como lembra Sandro Cabral, professor do Insper e da Ufba de estratégia no setor público.

“O ambiente para a pessoa testemunhar pode ser muito intimidador. Às vezes a população possui informação para auxiliar a polícia, mas tem medo de denunciar”, afirma. Para o professor, é essencial que dados de efetividade sejam divulgados para que a sociedade possa saber se o trabalho da polícia está de fato sendo efetivo.

Outro fator que pode ajudar a explicar o número de inquéritos elucidados é o baixo efetivo de funcionários, de acordo com o presidente do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc), Eustácio Lopes. Ele revela que cerca de 100 dos 417 municípios da Bahia não possuem policiais civis atuando.

“Nós atribuímos a baixa resolutividade aos problemas que enfrentamos. Temos, na Bahia, 5.500 policiais para uma população de 17 milhões de habitantes. Também há um problema de desmotivação por conta da falta de reconhecimento do Estado e desvalorização salarial”, alega. A Associação dos Delegados da Polícia da Bahia (Adpeb), Secretaria de Segurança Pública (SSP) e Polícia Civil foram procuradas, mas não comentaram os dados da reportagem.

A pesquisa Onde Mora a Impunidade, realizada pelo Instituto Sou da Paz em 2020, apontou que a Bahia ocupa a terceira posição de homicídios não solucionados. O estado fica atrás apenas do Paraná e Rio de Janeiro.

Morosidade

Mesmo quando um inquérito é encaminhado para o Ministério Público elucidado, não significa que a Justiça será feita de forma breve. Em outubro de 2014, o desaparecimento do adolescente Davi Fiúza, após uma abordagem policial na Estrada Velha do Aeroporto, comoveu o estado. A investigação da polícia demorou quatro anos para ser concluída e culminou com o indiciamento de 17 policiais militares.

Apesar do inquérito, o MP ofereceu denúncia contra sete deles, por sequestro e cárcere privado. O caso seguiu então para a Justiça Militar e somente no final de agosto, oito anos depois do desaparecimento, ocorreu a primeira audiência do caso.

O professor Luiz Cláudio acredita que é preciso que a Polícia Civil esteja articulada com o Ministério Público para que os casos sejam solucionados de maneira mais breve. “Não basta a polícia concluir o inquérito, já que o Ministério Público precisa oferecer a denúncia. Essa articulação é muito importante”.

Mais de 90% dos inquéritos de feminicídio são elucidados

Diferente do que ocorre nos outros tipos de homicídio, em que costuma ser difícil apontar autoria ou suspeitos, em 92% dos feminicídios [homicídio contra mulheres por questões de gênero] ocorridos na Bahia no ano passado, a Polícia Civil conseguiu identificar o executor do crime.

Isso ocorre porque quando as mulheres são assassinadas apenas por serem mulheres, os autores costumam manter ou mantinham algum tipo de relação com a vítima. São maridos, namorados e mesmo ex-companheiros que matam as vítimas, muitas vezes, por ciúmes ou por não aceitarem o fim do relacionamento com elas.

“Nos feminicídios, acaba sendo muito mais fácil apontar autoria porque advém de relações estabelecidas entre o autor do crime e a vítima. Normalmente, o autor possui um grau de proximidade e conhece bem a vítima. As testemunhas facilmente apontam o suspeito e a investigação ocorre de maneira mais rápida”, explica o professor e pesquisador Luiz Cláudio.

O mandante de um feminicídio que ocorreu na capital baiana em março de 2019 e chocou o país, foi enfim condenado pela Justiça em agosto deste ano. Fábio Vieira foi considerado culpado por mandar Alex Pereira dos Santos assassinar a ex-namorada e condenado a mais de 10 anos de prisão. Isabela Oliveira Conde foi atingida por 68 facadas, se fingiu de morta durante o ataque e conseguiu sobreviver.

 

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